Todos os anos, o IBBY (International Board on Books for Young People) convida um país e um escritor a escrever uma mensagem para este dia. Este ano, o país convidado é a Eslovénia e o texto é da autoria de Peter Svetina.
A DGLAB (Direção-Geral dos Livros, dos Arquivos e das Bibliotecas) disponibilizou uma tradução do texto, a qual partilhamos aqui.
Na minha terra, os arbustos florescem em finais de abril, início de maio, e
logo se enchem de casulos de borboletas. Parecem bolas de algodão ou
pedacinhos de algodão doce, mas as crisálidas que ali de desenvolvem
devoram folha após folha, até os arbustos ficarem despidos. Quando as
borboletas saem destes casulos, iniciam os seus voos delicados, mas os
arbustos não são destruídos. E quando chega o Verão, florescem
novamente, e assim acontece ano após ano.
É isto que sucede ao escritor e ao poeta. São devorados, esvaziados pelas
suas histórias ou poemas: quando estes já estão escritos, saem a voar para
acabar nos livros e poderem encontrar os seus ouvintes ou leitores. E isto
repete-se uma vez, e outra vez.
O que acontece aos poemas e às histórias? Conheço um menino que foi
operado aos olhos. Depois da cirurgia, teve de ficar duas semanas deitado
sobre o lado direito. Durante um mês, não pode ler, não pode ler mesmo
nada. Quando ao fim de um mês e meio pegou finalmente num livro,
parecia que o livro era uma tigela onde apanhava palavras à colher. Como
se as comesse.
Como se verdadeiramente as comesse.
Conheço uma rapariga que cresceu e é agora professora. Disse-me:
coitadas das crianças a quem os pais não leem livros.
As palavras nos poemas e nos contos são comida. Não são comida para o
corpo: ninguém pode encher o estômago com elas. São comida para o
espírito e para a alma.
Quando temos fome e sede, o estômago encolhe-se e a boca seca.
Procuramos um pedaço de pão, um prato de arroz, de milho, um peixe ou
uma banana. Quanto mais fome se tem, mais a atenção diminui, e já não
se vê mais nada para lá do pedaço de comida que nos saciaria.
A fome de palavras não se manifesta deste modo, mas adquire a forma da
melancolia, do esquecimento, da arrogância. As pessoas que sofrem este
tipo de fome não percebem que as suas almas tremem de frio e lhes
passam ao lado. Uma parte do mundo foge-lhes das mãos sem que disso
tenham consciência.
Esta fome pode ser saciada com contos e poemas.
Mas haverá esperança para aqueles que nunca se alimentaram de
palavras para satisfazer a fome?
Sim, há. O menino lê quase todos os dias. A menina que já cresceu e se
tornou professora lê histórias aos seus alunos. Todas as sextas. Todas as
semanas. Se um dia se esquecer, os alunos vão lembrá-la.
E quanto ao escritor e ao poeta? Quando chegar o Verão, ficarão
novamente verdes. E mais uma vez serão comidos pelas histórias e pelos
poemas que escrevem, que voarão em todas as direções, como
borboletas. Uma vez, e ainda outra vez.
Peter Svetina (n. 1970, Ljubljana, Eslovénia)
Tradução: Maria Carlos Loureiro
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